28.4.07

Heimweh

Sie gehen ins Ausland?
Nein, ich bin schon im Ausland. Jetzt gehe ich nach Hause.


Estive para inventar uma história, dizer que tinha de cancelar o contrato por ter conseguido um emprego melhor noutro sítio, um lugar como professora, eu que andava há tantos anos a concorrer. Mas já que era para me fazer grande, que fosse como devia ser, professora não de uma escola secundária das Olaias, mas uma posição de docente na universidade (não a Independente!), entende, não podia recusar.
Mas no que toca aos instintos, às necessidades básicas do emigrante saudoso, foi-me difícil mentir. Disse a verdade.
Ich habe Heimweh. É só Isso.
E a senhora disse que Isso era muito bonito.

Compras para a semana

- Alface, carradas
- Beringelas, duas
- Tomates, q.b.
- Leite de soja, sem colesterol nem açúcar, dois pacotes
- Carne branca
- Maçãs, carradas
- Bolachinhas de arroz, sem sabor nenhum
- Iogurtes naturais sem açúcar, suspiro
- Café light (café light??)

Estou deprimidíssima.

"Fome", ainda

Agradeço os mails que me chegaram sobre o último post. Mas que descansem os leitores masculinos deste blogue. Considero seriamente começar a dissertar sobre os benefícios do leite de soja, os póneis da Islândia e as ovelhinhas que conto à noite.
Ou assim.

O bom, o mau e a adúltera

Que seja um filme menor de Scorsese, gostei muito de Departed, sendo o de que mais gostei o facto de os protagonistas morrerem como morrem as personagens secundárias.

(e a adúltera safou-se)

27.4.07

Fome


Não consigo dormir. Parece que tenho fome. Há uma hora atrás, quando ainda não tinha fome, o vizinho começou a martelar depois de gritar impropérios à mulher. Se calhar agora está a partir-lhe o crânio, a desfazê-lo à martelada como se faz a uma sapateira em esplanadas de Verão regadas com vinho verde. Depois fechar-lhe-á o caixão, prego por prego, martelada por martelada.
Bato na parede com fúria ensonada, Pára lá com isso, caralho. E ele pára.
Volto-me na cama. Volto-me outra vez. Parece que tenho fome. Começo a pensar em sexo, talvez a fome seja de outro tipo, o tipo de fome de nunca ficarmos cheios demais, o tipo de fome de sempre termos espaço para uma sobremesa cremosa. Parece a fotoreportagem que vi no outro dia. Dizem que sim, que grandes planos de homens e mulheres com sémen na cara é erótico. Parece que os filmes porno acabam sempre com a gaja a levar com sémen nas trombas. Se calhar os filmes porno gay também acabam com a ejaculação na cara do outro. Curioso, nunca tinha pensado nisso dos filmes porno gay, nunca vi nenhum. De qualquer maneira não comprei a revista. Todos os outros artigos pareciam sérios demais.
Tento masturbar-me, mas não consigo. Há dias em que a imaginação é mais lenta do que os dedos e os vizinhos a foder na casa ao lado são um atentado aos sons que podemos (re)criar na nossa cabeça, aos nossos próprios sons, quando pensamos que ninguém nos ouve, quando pensamos que todos dormem.
Atiro o lençol para o lado. Faz calor. É uma noite de Abril em Berlim e faz calor. Este Inverno nem o senti, quase não tive frio, quase que não foi Inverno. Mas, bom, agora não quero pensar nas alterações climáticas. Prefiro pensar, e penso, em todos os homens da minha vida. Bom, em todos é melhor não. De maneira que tiro a mão das cuecas.
Levanto-me e vou fumar um cigarro. Por enquanto ainda posso propulsionar o sono com um cigarro, por enquanto ainda sou fumadora, como se não o fosse ser sempre, ex-fumadora, fumadora mesmo depois de deixar de fumar. Ainda posso. Levantar-me a meio da insónia e ir à cozinha fumar um cigarro no escuro. Não acendo a luz para não ver as traças que já devem ter entrado pela janela aberta. Odeio bichos.
Depois fui-me deitar outra vez. Já não me lembro se me masturbei. É que há dias em que adormeço antes.

26.4.07

In my life

There are places I'll remember
All my life
Though some have changed
Some forever
Not for better
Some have gone and some remain
All these places have their moments
With lovers and friends
I still can recall
Some are dead and some are living
In my life
I've loved them all


Cash/Beatles

24.4.07

Ulisses (capítulo X)

Estou proibida de comer doces, croissants, bacalhau à brás e queijo da Serra. No quinto dia consecutivo de uma dieta insossa e amarga (ou isso ou...) leio em Joyce a descrição de um banquete com alto teor de glucose e colesterol. Encho-me de despeito e leio o capítulo todo nessa mesma noite. Por vingança, não fria, simplesmente sem chantilly.

(e nem a porra de uma cereja no topo)

DSS

O meu vizinho comprou uma televisão nova. Daquelas com dolby surround system. Destaco a qualidade surround. Além disso, desconfio que também tenha comprado um leitor de dvds ou então uma consola porque as sucessões e repetições de explosões que se ouvem nem no Rambo. Como se já não bastasse, deve estar desempregado porque agora passa todo o dia e toda a noite em casa (todo o dia todos os dias toda a noite todas as noites) e eu tenho um buraco na parede, por onde imagino o barulho a subir à noite como uma barata peluda.
O pior de tudo é descobrir qual dos três vizinhos. Encosto a orelha à parede, ao chão, à outra parede, o ruído, desta vez uma voz de mulher, parece vir de todas as direcções, como numa casa com eco. A barata já subiu pelos canos e entrou-me no quarto. Dei-lhe uma patada e a gaja ficou tonta. A barata sou eu a correr de uma parede para a outra, de cócoras no chão a escutar, tentando concentrar-me na direcção do barulho. Não consigo, a casa prega-me partidas, fico tonta e sinto uma raiva pequenina a crescer, uma raiva peluda a entrar pelo buraco. Sonho com uma bomba para explodir com os três vizinhos mais as suas televisões dolby surround system. Destaco a qualidade surround. Algum deles há-de ser. Pena é a minha casa ficar exactamente no meio.

Mir tut es eigentlich (nicht) leid

Nunca pensei ficar tão feliz por receber um currículo devolvido. Não me recusaram. Só me fizeram o favor de adiar a ironia.

(mesmo que a candidatura tenha sido há tempo suficiente para me ter esquecido dela)

22.4.07

1000 metros de festa ilegal


Do que mais gostei foi de ter posto toda a gente à procura da bola com a luz dos telemóveis. Bem diziam no mail que a festa ia ser minimalista. Música, nem ouvi-la nas primeiras duas horas, por isso toca de jogar matrecos enquanto o bar se ia enchendo. A bola acabou por nunca se encontrar e nós por nos fartarmos. Seguimos para a pista de dança, martelada da boa a passar, há coisas para as quais é mesmo preciso estar no espírito.
Não foi mau, tecno a sério uma vez por ano é inofensivo. Chato, chato, foi despedir-me, sair, dar com o caminho de volta, andar 100 dos 1000 metros às escuras, 4 velinhas de cemitério a indicar o caminho (creepy, creepy) e voltar para trás.
Há coisas para as quais homens de barba são a companhia ideal.

21.4.07

Conversas com Beckett


Então e diz-me lá, com que frequência é que te masturbas?
Se um homem e uma mulher podem ser amigos depois de terem tido sexo? Claro que podem. Não exactamente logo a seguir (e porque não?), talvez por ainda se deixarem confundir pelos orgasmos um do outro, mas depois de algum tempo, quiçá meses, quiçá anos, o tempo necessário para que ambos cresçam a cada reencontro (sem sexo), a cada conversa sussurrada num bar qualquer onde um copo de vinho custa 6 euros e a empregada é portuguesa, mas isso só soubemos quando pronunciou, com sílabas cristalinas, uma perfeição no ritmo, uma ausência de qualquer coisa que se assemelhe a sotaque, o nome do vinho, cujo preço também só soubemos quando já era tarde demais (será que se o vomitar, me devolvem o dinheiro?). Podem ser amigos, claro que podem, só não podem ser mais do que isso porque depois de sexo e amizade já não há barreira que se transponha, o limite está nas paredes vermelhas que nos escutam, na vela que se apaga e nos cigarros que não se acendem porque sem vela não há lume e, além disso, tu não fumas e eu estou a tentar deixar.
Eu não te vou contar isso.
Vá lá, se contares, conto-te também sobre mim.
É uma pena que assim não seja sempre. Duas pessoas que, a uma dada altura, fosse por que motivos fossem, partilharam os corpos e os gemidos, a cama desarranjada (e porque tem de ser na cama?), e que depois se afastam, é como se perdessem algo de si mesmas, uma parte, um período da vida, nem que tenha sido só uma noite, mesmo que seja raro ser só uma noite (quantas noites?). Por isso saio tanto com ele, não porque ainda espere que me pergunte
Queres passar lá por casa?
porque pergunta, eu é que lhe digo sempre que não, já não, agora não, mas não me ofendo, já não, as minhas reacções estão a suavizar com o passar dos anos, pelo menos agora já não trato mal ninguém. Haveria outra maneira, a maneira mais fácil, perdê-lo antes de o perder totalmente, como esvaziar a lixeira do computador sem esperar que ele o faça automaticamente, só por gostar do barulho que faz,
Também pensas em sexo quando vais no metro?
mas não tem de ser assim. Mesmo sendo tão novinho, na idade e na experiência, na vivência também, já que falamos disso e a vida não é só sexo (não?). Parvoíce. Os homens nunca são demasiado novos ou velhos para nós. Nós é que somos demasiado novas ou velhas para eles. Às vezes, mesmo quando temos a mesma idade.
Menos mal, pensava que era só eu.
O barulho do computador a apagar o lixo, um barulho límpido e catártico, de armários vazios e estantes desocupadas, de mala à porta e bilhete de ida, pronta para começar do zero, em tudo, na vida, na amizade, no sexo, já que falamos disso e a vida afinal também é (muito) sexo.
Então e diz-me lá, sou boa na cama ou não?

19.4.07

Para sempre é demasiado tempo

, pensava eu enquanto descia as escadas. Sentia-me um bocadinho triste depois da conversa: o abandono estampado nos olhos de uma pessoa que de certeza não voltarei a ver quando partir. Quando cá vier (de vez em quando) irei rever algumas pessoas, mas outras não. Não será por mal, o meu coração é que não é suficientemente grande para albergar o mesmo amor por toda a gente. Irei perdendo o contacto com algumas pessoas, o círculo de amigos a visitar ficará impreterivelmente reduzido com o acumular de visitas (poucos, mas bons). Como as pessoas que fui deixando de ver nos de vez em quando das minhas férias em Portugal. Vai acontecer a mesma coisa, mas ao contrário.
Ao contrário.
É estranho: o que está a acontecer, o que vai acontecendo aos poucos, está a ser tudo igual, mas ao contrário. Parece um filme de Cronenberg, uma história de livro desconstruída, um daqueles e-mails marados das coisas estranhas que te podem acontecer se ... Não há acasos, disseram-me no outro dia. Eu só acredito em acasos. No entanto, assusta. Ou talvez não. Porque assim, quando tudo corre para o mesmo sítio, não há desculpas para fraquejar. Nem mesmo quando, depois da tomada de consciência de que tenho uma tendência inata para sofrer de saudades eternas, chego ao bar Sofia e o barman aponta para o cartaz. Poderia ter sido o momento ideal para pensar duas vezes. Mas, como dizia no cartaz, não há mais perguntas nem mais respostas. A cerveja está no balcão. Bebe.

Às quartas-feiras no Sofia (Wrangelstrasse 93)

Mittwoch 20 - 24
Keine Fragen
Keine Antworten
Einfach trinken

17.4.07

Berlinenses III

O inglês

Foi o francês que mo apresentou num dia em que não me apetecia sair de casa. Mais valia não ter saído, fosse eu dotada de dons divinatórios. A verdade é que podia não falar dele, mas não falar nas coisas nem sempre significa que já as esquecemos. Nem que já não nos importam.

Ele até nem era má pessoa. Só um pouco estranho. Um autêntico freak, para ser sincera. Mas eu até lhe achava piada ao princípio. Divertia-me saber que havia pessoas tão fora da realidade e que até não se preocupavam com isso. Divertia-me saber que havia pessoas que penduravam papelinhos nas paredes com passagens da Bíblia e que realmente meditavam sobre o assunto, enquanto pregavam as vantagens da simplicidade e de trabalhar só seis horas por semana para garantir o sustento básico, mas que, no que dizia respeito a, a isso mesmo, ao respeito pelos outros, se esqueciam dos mandamentos do nazareno.
Um dia chegou-me a mostarda ao nariz, fui a casa dele, disse-lhe das boas e só não lhe espetei com a Bíblia no cú porque não encontrei nenhuma à mão. Quando me pediu que continuássemos amigos, ainda lhe disse fuck you, na língua dele que era para que percebesse todas as sílabas. Gostei, senti-me bem. Depois fui-me embora. Peguei nas minhas coisas e não olhei para trás.

Custou-me durante umas semanas, mas hoje em dia já me consigo rir. Porque tenho a certeza de que continua a convidar mendigos para irem comer bolos à casa dele e a autoflagerar-se de cada vez que tem sexo (e que se vem, e vinha-se sempre, por isso é que nunca consegui entender muito bem o melodrama da coisa) e a atirar os amigos ao lago do Tiergarten por pura diversão e a perguntar aos convidados o que é que não gostam de comer para depois fazer exactamente isso para o jantar. A lista só acaba aqui devido a um certo writer´s block, se tivesse legitimidade para sofrer do mal.
No entanto, era giro se um dia o encontrasse por acaso na Kastanienallee. Só para, rindo, ter a certeza de que há coisas e pessoas que vou gostar de deixar para trás.

16.4.07

Curtas urbanas #4

Ir à Alexanderplatz vigiar o estado das obras, constatar que já me posso sentar nas (novas) escadas (burguesas) a observar o pessoal, mas desta vez não há punks e não tem piada. Entro na Saturn e saio de lá com o “E Tudo o Vento Levou” com legendas em islandês. Dizem-me que sou uma gaja estranha.

15.4.07

Joyce de toalha estendida

Domingo de muito sol, o parque no Weinbergsweg faz lembrar a praia da Caparica em Agosto. Demoro um bocado a encontrar um espacinho para a minha toalha e lá me sento, um pouco desconfortável, é certo, mas aguento-me à bronca - é que eu costumava ser morena. Abro o Ulisses, torro ao sol, de repente apercebo-me de que não trouxe isqueiro e isso é uma grande chatice porque não gosto nada de pedir lume a gente desconhecida. Concentro-me no Ulisses, ainda vou no capítulo 9, deve ser o capítulo mais aborrecido de toda a história literária, a ver se é hoje que chego ao 10. Toda a gente me olha com muita admiração quando eu digo que estou a ler o Ulisses e a notícia tem-se espalhado de uma maneira parva, se tivermos em conta que isso não faz de mim uma pessoa mais inteligente, pelo contrário, enquanto leio as minhas 10 páginas diárias (àparte o grande desleixo no presente capítulo) sinto-me como um burro a olhar para um palácio, mas isto, bom, ninguém precisa de saber. Quando dois tipos resolvem jogar ao Frizbee ao pé de mim e eu começo a temer pela minha vida, vou-me embora, arrumo a toalhinha no saco e preparo um cigarro (o plano é entrar no Gorki Park, roubar uma caixinha de fósforos e fugir). Há coisas que são escusadas. O frizbee, o isqueiro em casa e as benesses bancárias destinadas aos jovens portugueses. É que segundo o que lá diz, eu já não sou jovem. Sinceramente.

D. Sebastião im Morgenrot

Na nossa mesa sentaram-se três punks da geração Bowie/Pop, um deles ainda a lembrar um Professor Pardal de crista verde achatada. Fizemos por pouco lhes ligarmos, afinal no bar havia mais gente digna de interesse e alemães bêbados com dialecto cerrado não são propriamente o melhor objecto de estudo linguístico, vá-se lá entendê-los em condições normais, ainda por cima com álcool como música de fundo. Pensei por momentos no que diriam os meus pais se entrassem no bar e me vissem em tão real companhia, desses e do alucinado que à meia-noite se sentou no Morgenrot a estudar para o Diplom com uma t-shirt a dizer
BIN im Schoko LADEN .

- Tens a certeza de que não vais sentir falta disto?
- Claro que vou.
- Vais ter a certeza?
- Não. Vou sentir falta disto.

13.4.07

13


O único azar que me pode acontecer hoje é saber que vai estar um verdadeiro dia de Primavera e que só vou ter tempo para me sentar ao sol quando ele já estiver deitado.
Isso ou esquecer-me de um aniversário (ter-me lembrado agora dele não quer dizer absolutamente nada).

12.4.07

Die stinkende Katze

A piada dos Gato Fedorento é agora irrefutável: pus os meus alunos alemães a rir com esta imagem.
Depois tive de lhes explicar porque é que se diz os Gato Fedorento e não o Gato Fedorento, o que eu acho óbvio, mas eles não, se são quatro marmanjos, são os Gato Fedorento, mas então porque é que não se diz os Gatos Fedorentos e, bom, isso já não teve tanta piada.

Ser como ele

Depois de ler o artigo do Ípsilon sobre o novo livro do Pedro Mexia, chego à conclusão de que gostava de ser como ele. Mas assim do sexo feminino, de esquerda, um pouco menos gorda e um pouco mais bonita. Pensando bem, já sou isso tudo, do sexo feminino, de esquerda, um pouco menos gorda, um pouco mais bonita. Portanto, acho que estou no bom caminho.

11.4.07

Novas cosmicósmicas

Há acasos que não podem ser ignorados. O círculo estava a fechar-se por ele próprio e ainda fui a tempo de pôr um pezinho do lado de fora, não fosse ficar presa no redemoinho que sinto agora na minha barriga. Decisão tomada (ainda do alemão: eine Entscheidung treffen, literalmente encontrar uma decisão - como a uma mala cheia de dinheiro no contentor do lixo), foi tratar de seguir as placas e fazer o que não podia esperar mais. Depois de respirar muito fundo, disse-lhe. A incredulidade inicial, depois de se transformar em choque que passou a pânico que roçou o suborno, por fim, desfez-se em resignação.
A carta de demissão seguiria pouco depois. Só para oficializar a coisa, só para ter o prazer de assinar uma carta de demissão (esta carta de demissão em especial). Depois, cheguei aos headquarters, certifiquei-me de que o público estava reunido e atento, e anunciei a boa nova (sentindo-me saudavelmente egoísta). Um estagiário abraçou-me, a outra entrou em estado de choque (não é caso para tanto, mulher, recompõe-te, mas que maricas). Poucos minutos depois (aí uns vinte?), seguiriam outras duas cartas de demissão, não minhas, que uma para cada pessoa basta. Há, afinal, justiça no cosmos: tudo o que fazes de mal, se volta contra ti (o de bom também, mas esse neste caso não se aplica).

Chegada a casa, sentei-me ao telefone. Contas feitas, outras cartas escritas: a lista de tudo que tenho de fazer antes de me ir embora começa a ficar mais pequena (que horror, já estava a ficar germanizada!). Respirei muito fundo outra vez. Depois de todos os envelopes selados, escrevi na barra de endereços o nome de uma companhia aérea. Um bilhete, por favor. Não, desta vez só de ida.

Agora sinto-me como se estivesse de ressaca...
Fiz um novo currículo e decidi copiar o modelo europeu. Preenchi tudo alegremente até chegar à parte das aptidões e competências sociais.

Resolvi voltar ao modelo antigo.

10.4.07

Berlinenses II

O Coreano

Trabalhámos juntos durante um ano. Ele fazia o sushi, eu admirava-lhe a perfeição, o cuidado, a generosidade (mais um nigiri para este, mais uma colherada de gengibre para aquele). Sabia ler nos olhos das pessoas os seus gostos, as suas preferências, se gostavam de coisas picantes, se doces, se amargas. Atrás do balcão, quieto, ocupado em cortar e enrolar o peixe, parecia alheio ao que se passava à sua volta, mas apercebia-se de tudo e de todos os clientes que entravam (gostava especialmente dos que se sentavam ao balcão para lhe apreciarem o jeito, lhe tirarem fotografias, lhe perguntarem sobre a sua arte).
Quando não havia muita gente, vinha sentar-se ao pé de mim e pedia-me um cigarro. Começávamos a falar sobre cinema, arte, música, outros restaurantes de Berlim, a comida e cultura asiáticas, até que chegava alguém, nos levantávamos e recuperávamos o tema da conversa depois de todos se terem ido embora, contas feitas, gorjeta para ti, gorjeta para mim, restaurante fechado, e tomávamos o mesmo caminho para casa, de bicicletas pela mão para prolongar o tempo de tagarelice.

Dois anos depois, abriu o seu próprio restaurante. Fui lá, com um amigo, e sentei-me ao balcão para poder falar com ele e observá-lo na mestria da sua arte. Por uns momentos, parecia que apenas a perspectiva era diferente (nunca chegámos a falar seriamente sobre tudo o que mudou).

Numa das muitas sessões de cinema em sua casa, conheci a sua mulher, uma japonesa encantadora, artista. Só mais tarde viria a reparar no seu nome num poster lá de casa (que tinha comprado em Freiburg). Chiharu Shiota. O tema da exposição: Miss.You.

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8.4.07

Coelhinho da Páscoa

Daqui a três meses este blogue vai deixar de fazer sentido.

Ich habe eine Entscheidung getroffen.

7.4.07

Tudo o que você sempre quis fazer em Berlim e nunca fez, mas ainda vai a tempo # 1

Sorte: ir ao Museu Judaico na Páscoa e conseguir estar dez segundos sozinha na Torre do Holocausto.
Azar: ter pensado que não me deixariam entrar com a máquina fotográfica.

Manual dos apaixonados (os alemães)

"Os alemães têm medo de ti. És demasiado auto-confiante."

Ou os alemães são uns grandessíssimos burros ou aí está uma boa desculpa.

Sobre o post anterior

Pensando bem: uma ilusão não é sempre falsa?

6.4.07

Crónica de Postbahnhof uma semana depois

Dirigi-me ao lado esquerdo inconscientemente. Nunca vou para o lado esquerdo, se no lado direito consigo arranjar um espacinho longe de alemães gigantes. Não sei porquê, deve ser como a história de, quando tomamos banho, se nos começamos a lavar pelo peito, significa que somos pessoas auto-confiantes. Yeah, right.
Desta vez não estava lá com muita vontade de estar ali. Deve ter sido a primeira vez que fui a um concerto, para o qual comprei um bilhete, e não tinha vontade de ir. Enquanto ouvia a primeira banda, uma porcaria yankee com nome mal pronunciado por eles próprios, avaliava o novo tamanho do sítio. Devem ter remodelado isto para os Arcade Fire. E depois, olhem, boca. Quem manda serem gananciosos.
Mudei de sítio, fui para o lado direito, como sempre faço, dizem as estatísticas que os vocalistas têm tendência para cantar sempre para esse lado, deve ser para se equilibrarem com a guitarra, o pior é se o gajo não toca guitarra, mas foi um suplício. Nunca vi tanto alemão grande junto. Devo ter mudado de sítio umas dez vezes. Entschuldigung, entschuldigung, dêem só um jeitinho. Foi complicado, mas consegui. Avistei um grupo de amigos tão pequenos como eu (não, mais pequenos do que eu, ainda é possível) e colei-me a eles. Super cola 3. Ainda se chegaram dois brutamontes para o pé de mim, mas eu, com o jeitinho que só tenho quando quero, toquei no ombro de um
- Olha, tu és um bocadinho alto...
e ele chegou-se para o lado. Um querido, um querido.
No fim, acaba sempre por correr tudo bem. Pena ser só no fim, pena que o concerto tenho sido sofrível. As músicas soavam como se as estivesse a ouvir em casa e a única que tocaram de uma maneira diferente, foi a única que não deviam ter alterado, especialmente porque a música mais fixe não se toca em versão acústica, não, não, não. Esta gente ainda tem muito que aprender, mas ok, ainda há três anos estavam a tocar para 120 pessoas e agora já enchem a Postbahnhof.
Não era que não estivesse nos meus dias. Não estava, mas isso pouco tem a ver. A verdade é que ir ver The Shins ou qualquer coisa pouco a abrir depois de um concerto cancelado de Arcade Fire, é uma falsa ilusão de compensação.

4.4.07

the real life

ia no túnel da estação contra a maré de pessoas, a pensar no filme, a tentar não pensar na minha vida, a olhar para os outros e a calcular o nível ao quadrado de insignificância das suas vidinhas de merda, qual de nós levará a vida mais insignificante, dias inteiros à espera de qualquer coisa, uns do totoloto, outros do amor eterno, outros do metro, outros de uma luz. hare krishnas em procissão no outro dia na chausseestrasse, cientologistas todos os dias na wilmersdorfer, as testemunhas de jeová aos sábados nas escadas rolantes de leopold platz, os protestantes aos domingos na missa em frente de casa, quase parece que estão cá dentro e me destapam os sonhos como a fúria de deus no antigo testamento, e depois venham-me cá dizer que o tipo ficou misericordioso no novo testamento e que não há cabelo que caia da nossa cabeça sem que ele se dê conta, e levam mas é com a bíblia que eu li e que não me valeu de nada, fiquei na mesma, é um romance interessante e tal, mas essa cena dos cabelos é como a história da carochinha, porque se é assim, comigo o gajo deve andar mesmo ocupado, até aposto que, por causa de mim, já arranjou um upgrade para os programas de cálculo que usa, e enquanto faz contas dos cabelos que me caem e dos que hão-de nascer, hão-de?, trabalhinho que se veja, nada, vai-nos deixando aqui para baixo a modos como que desesperados e os outros, aqueles que dizem ter encontrado a luz, coitados, andam também eles desesperados em arranjar mais discípulos, ovelhinhas obedientes que comam relva e façam mé, porque não querem estar sozinhos, porque sabem que lutar sozinho é sempre em vão.
no filme, o grande forest whitaker dizia this is the real life. the real life. mas qual real life? preocupar-me com coisas que um dia, quando souber que tenho um cancro nos ovários, não me vão servir de nada? casa, trabalho, pilhas de livros, homens chatos, chuva, o café que se acabou, o café não se acaba, estúpida, foste tu que o bebeste todo, e depois não arranjas tempo para ir comprar mais, é como o aspirador que não funciona há um ano, mas comprar um que faz falta, era o compravas, só merda sem sentido nenhum, andar a trabalhar para alguém que de nome só lhe falta um t para ser idiota, chegar a casa com vontade de atirar as almofadas à parede, só porque tenho demasiado amor à tralha toda que fui acumulando e só me vai atrapalhar na altura de mudar de casa, que ainda nem sequer tenho, porque ainda não a posso ocupar, para que lado estão as janelas, e a varanda que não é grande o suficiente, como se isso fosse importante, como se eu tivesse dado algum uso à varanda que agora, ainda, tenho, só a porra de umas flores que sempre morrem, se não tem banheira não quero, como se eu pudesse dar uso à que agora, ainda, tenho, se a encho, rebento com os canos, não quero aquecimento a gás que é caro, como se eu não andasse a pagar o excesso do aquecimento central de 2005 em prestações, o que será o de 2006, e ainda por cima não me acordasse com os barulhos que faz, dantes às quatro da manhã, agora às cinco, foi a mudança da hora minha senhora, eu não estou a inventar nada, ou acha que acordo durante a noite porque quero, há três meses, três fucking meses que não tenho uma noite de sono inteira, um pedaço de noite, o contrário de uma noite despedaçada, partida ao meio, como uma barra de chocolate, um bocado para agora, o outro para depois, olha que depois engordas, pfff, como se agora adiantasse muito fazer dieta. e digo mais, caralhos me fodam mais esta merda toda, sim, caralhos, se possível muitos ao mesmo tempo que é para ficar bem fodida, mas não, não digo, porque depois me telefonam a perguntar o que tenho. as pessoas agora já nem me perguntam como estou sem ser quando já sabem que estou mal, ou menos bem, parece que têm medo de receber uma resposta medíocre, como a vida, vai-se andando, nada de especial, pois aguentem-se que comigo nos próximos tempos vai ser assim, vai-se andando, bem à portuguesa, não se anda nem depressa nem devagar demais, anda-se como se pode e é se não formos já coxos de nascença. pois temos pena. se já sabem não perguntem. eu agora não consigo correr para apanhar o autocarro. espero pelo outro. à chuva e tudo que é para ver se lavo a mente de tanta asneira. e o irónico disto tudo é que eu nem sequer ando de autocarro. foda-se.

3.4.07

Teste o seu stress

Os senhores cientologistas, que armaram uma barraquinha na Wilmersdorfer Strasse, tentaram convencer-me a fazer o teste do stress: Obrigada, mas eu não preciso, estou plenamente consciente dos níveis desproporcionais que o meu stress tem atingido ultimamente. No entanto, não lhes explico que ao ler o Ulisses meço o meu stress de uma maneira muito mais sensata. Ontem, pela primeira vez em duas semanas, consegui ler quatro páginas. Quando voltar a conseguir ler o mínimo diário de páginas a que me propus ao princípio, dez, apenas, que isto de concentração não anda lá muito famoso, é sinal de que já ando muito mais calma. Para quando, não sei. Pode ser que The Shins amanhã me ajudem a ver a luz que os outros me apagaram.
Ou provavelmente não.

Ulisses (capítulo XIX)

"A necessidade é aquilo em virtude do qual é impossível que uma coisa possa ser de outro modo."

1.4.07

Só porque há dias assim


Depois da conversa começou a suspirar. Quando lhe perguntei o que tinha, disse-me que estava a controlar o estado dos pulmões depois de fumar três cigarros. Só fumava quando estava comigo, disse-mo para me fazer sentir mal pela maldade das minhas palavras anteriores. Me encantas, pero como amigo, não é coisa que se diga a quem gosta de nós. Deixei-o suspirar mais umas vezes e não lhe enrolei mais nenhum cigarro até se começar a comportar como aquilo que eu queria que ele fosse,desde há tanto tempo, quanto, meses?, um amigo, e naquele dia eu precisava de um amigo a sério que me perguntasse porque é que eu estava tão tensa e me dissesse pára de te coçar, mujer, e no fim da noite me abraçasse, só porque há dias assim. O café acabou por se tornar num jantar e em mais uma cerveja que tive de ser eu a pagar porque já se lhe tinham acabado as moedas, ai, estes homens pindéricos, pois eu precisava de falar, e de chorar se fosse o caso, mas não foi, é que eu só consigo chorar quando não está ninguém a ver, como no outro dia em que me levantei da secretária, disse que já vinha, fechei-me numa sala, sentei-me numa cadeira e, com toda a calma do mundo, comecei a chorar, primeiro devagar, depois com força, tanto até me doerem os olhos, e depois de algum tempo de tristeza profunda, limpei-me às mangas da camisa, esperei que o rubor da emoção passasse, levantei-me, arrumei a cadeira, apanhei um papelinho do chão, deitei-o no lixo e, com a calma com que havia entrado na sala, saía agora e voltava a sentar-me na secretária, tudo isto sem uma palavra, apenas um esfregãozinho nas costas passados dez minutos, que os alemães têm modos estranhos de mostrar compaixão. Ainda me perguntou se queria tirar o resto do dia, mas eu, que já me tinha passado o desespero, lembrei-a de que ali era eu quem perguntava essas coisas aos outros, e começámo-nos a rir. A rir, como quando cheguei a casa depois do abraço desinteressado e li um e-mail de outro amigo que também não se contenta só com isso, mesmo depois de tanto tempo, quanto, um ano?, que me conta de uma suposta apaixonada e, como que me passando um ultimato, se não queres, há quem queira, me pergunta se devia ser um daqueles cabrões que vão para a cama com uma mulher só porque há dias assim. Como resposta leva apenas a de que o mundo está cheio de cabrões e cabras e a vida é demasiado curta para a passares a pensar se te deves tornar num ou não, que a mim tanto se me dá, desde que amanhã estejas no Treptower Park à hora marcada. Vou para a cama a pensar que isto é sempre a merda das pessoas erradas ou então, quem me manda a mim ser tão esquisita, mas mais do que isso não penso. Há dias assim, em que não quero pensar muito.