31.5.07

Bacalhau com natas


Em Portugal não dá para matar saudades com jantares de bacalhau em casas ocupadas repletas de galegos com alma de tripeiros que falam português como os da nossa terra. Em Portugal não há grande forma de matar saudades, porque só se pode ter saudades daquilo que se tem quando o que se tem não é o que se esperava.
Quando conseguimos finalmente encontrar a Cozinha do Povo na Rauchhaus (casa do fumo), já não havia bacalhau. O meu ar de pânico - e dão-me um prato sem reluctância, desculpando-me com as saudades que me correm nas veias e falando-me com xis adocicados. Nem por um momento me passa pela cabeça que possam ser espanhóis. Seguro o prato até a coisa ficar fria, como se esperasse que me dessem autorização para atacar e como tudo em duas vezes com a paixão de quem tem sexo pela segunda vez com a mesma pessoa. Porque a primeira só serve para aguçar o apetite e a segunda muitas vezes precisa de ser demolhada nas águas do tempo. Que é como quem diz: “Avisa-me só se te apaixonares entretanto. O resto guarda-o para ti.” E isto não quer dizer nada, apenas que a vida são dois dias e a noite só uma. A frase não é minha, mas agora lembrei-me de que, nas recentes arrumações ao meu quarto de miúda crescida, não cheguei a tirar da parede a caricatura que uma vez me desenharam. Foi no Algarve e eu tinha 17 anos.

29.5.07

O sol quando bate na calçada é capaz de escorregar

Não por terem sido poucos dias. Não havendo tempo para azares e discussões, as coisas correm sempre bem. Mas a verdade é que, talvez por causa dos ténis novos, andei com especial cuidado pela calçada lisboeta que pode ser bastante escorregadia como toda a gente sabe. Especialmente quando chove. Um tempo de merda, foi o que foi, no primeiro e no terceiro dias, mas lá consegui não me estatelar. Isto graças às crónicas do grande Miguel Esteves Cardoso que, como se estivesse a escrever directamente para mim, admoestando-me para as amolgadelas de portuguesismos que tendem a ser esquecidos depois de uns quantos anos de Europa (a provocação é minha), me vai dizendo “tu põe-te a pau que ainda vais a tempo de ficares lá onde estás”. Mas eu só me rio muito enquanto bebo uma imperial fresquinha no Adamastor e penso que não há sol como o de cá. Lá. Whatever.
Aceno com a cabeça na crónica do tempo, o tipo diz umas coisas giras, diz que uma brisazinha mais afoita costuma ser classificada como um temporal dos diabos, um “Ai, que desagradável, está tanto frio”. E eu de manga curta a dizer que sim, é verdade, que em Berlim estava tão bom, enquanto desaperto mais um botão da camisa e me abano à socapa com a senha do autocarro. Choveu, pois foi, o tempo estava zangado quando eu cheguei e lixou-me os planos do dia, é verdade, mas no outro dia podia-se andar no Bairro Alto com o casaco dentro da mala. No Incógnito, então, nem se fala nos calores que me deram.
Por isso não entendo tanto queixume. Gostava de ver essas mesmas pessoas, as que se queixam do tempo português, a viver em Berlim com estas nuvens cerradas e pesadas, como se o mundo inteiro nos fosse cair em cima, e isto não só durante um ou dois dias, mas semanas a fio com um único dia de sol lá para o meio que é para não sermos mandriões e só querermos esplanadas. Mais ou menos como agora, quando cheguei. Uma tempestade desgraçada, (Unwetter: des-tempo, in-tempo, intempérie, pronto) desagradável mesmo, daquelas que desvastariam as plantações do Ribatejo e da Beira Interior, umas nuvens que só visto e eu com umas trombas que só minhas. É que isto é capaz de ficar assim por uns dias. Ou semanas. Um dia de sol lá no meio que é para desanuviar. Com sorte.

Preparação: momentos II

"Se estiveres nervosa na entrevista, pensa que a pessoa à tua frente é igual a ti. Ela também tem de cagar."

M.

Preparação: momentos I

- Então e a filhota já está casada?
- Não.
- Ah, mas não tinha dito que ela já tem 27 anos?

24.5.07

Das Parfüm

Acordei com o teu cheiro nas mãos. Tínhamos passado a noite enrolados, enrolados a sério, como duas cobras enroladas uma na outra, as minhas pernas à volta de ti, os teus braços pelo meu corpo, a tua língua no meu corpo, o teu corpo na minha língua, e das pessoas que nos observavam do outro lado da janela do rés-do-chão eu só me escondia no teu corpo, enrolando-me cada vez mais em ti, debaixo de ti, entre ti, por ti, até que tu te começaste a rir e me olhaste nos olhos. Foi aí que te cheirei. Tinhas um cheiro bom, um cheiro que ainda não cheirei, daqueles que não me fazem lembrar ninguém nem nada nem nenhum sítio nem nenhum tempo, um cheiro como um balão de perfume numa terra sem cheiro, um cheiro igual a nada, desigual, inigualável, um cheiro que me fez chegar mais ainda a ti, desenrolando-me de ti (as pernas, os braços, a língua) e fazer-me muito pequenina debaixo do teu peito, eu inteira debaixo do teu peito, a prolongar-me toda numa inalação contínua, eterna, sôfrega, a precisar de expirar e a não conseguir, a não querer, a resistir. Depois nada. Acordei com falta de ar. Mas agora, ao menos, já sei como cheiras.

Quente e frio

Quando chega o calor (ou o frio), penso sempre numa coisa que um dos meus primeiros namorados me disse, que quando está muito calor é impossível imaginar como é ter frio, e que quando está muito frio é impossível imaginar como é ter calor.
Agora sei porque é que a relação não durou muito. Isto foi a coisa mais interessante que ele disse.

22.5.07

Coisas bonitas para dizer e ouvir

(ou ler, nos tempos que correm)

"És a minha circunstância."

Spam Primavera

- uma notícia do GoogleMail.
- pólen por todo o lado (aquele das flores).
- um calor do género “cheira-me a Verão de 2005”.
- selecção, arrumação e despacho das fotografias Lomo e não-Lomo por ordem cronológica: Hamburgo-Berlim-Lisboa-Friburgo-Berlim-Madrid-Berlim-Neubrandenburg-Lisboa-Amesterdão-Berlim-Munique-Paris-Berlim-Lisboa-Alentejo-Berlim-Reiquejavique-Berlim.
- a sensação de que me falta um sítio qualquer na caixa.
- ah, já sei.
- falta-me Oslo.
- mas ainda lá não fui.

Neubrandenburg, Verão de 2005

20.5.07

Portugal Express


- Bom, uma encomenda deste tipo devia chegar dentro de uma semana. Mas como é para Portugal, bom... (coçando o nariz) eu diria que talvez... assim mais ou menos... aí no mínimo... uns 10 dias. Sabe como é, países do sul...
- Não me diga...

18.5.07

Berlinenses V

O Europeu

Para ele as pessoas distinguem-se pela língua que falam. Não pela nacionalidade, isso é apenas uma realidade burocrática, uma politiquice necessária para desculpar comportamentos sociais. Tantas foram as vezes que me corrigiu que passei a dizer que fulano ou cicrano era de um país de expressão inglesa, francesa, portuguesa, alemã, que os seus comportamentos sociais se deviam a certas expressões idiomáticas, a certos usos e costumes de uma língua, às declinações, aos verbos irregulares e que os povos se entendiam melhor ou pior consoante os grupos linguísticos.
Ao princípio isto intrigava-me, achava-lhe piada, via nele um geniozinho inconformado, menosprezado, maltratado pela sociedade, já tinha publicado um livro sobre o assunto, mas não conseguia viver dos direitos de autor. Explicou-me que o que recebia por cada livro vendido, que não eram muitos, nem chegava para beber um café, e mesmo que a minha tão modesta visão do mundo não o conseguisse alcançar, havia uma lógica qualquer no que dizia. Mas quando falávamos de música, a coisa irritava-me. Estava com ele e via as minhas distinções musicais serem deitadas abaixo. Os Blur não eram ingleses. A Bjork não era islandesa. Os Madrugada não eram noruegueses. Como explicar, então, de ondem vem uma banda, porque fazem os Sigur Rós música como a que fazem se não são influenciados pelo país de onde vêm, pela nacionalidade que carregam, pela paisagem em que nasceram? Foi então que me lembrei das pessoas bilingues. Como é que se designam as pessoas bilingues? Ou os alemães-russos, por exemplo? Disse-me que tinha escrito um artigo sobre isso mesmo. Li o artigo. A última frase, em que rematava a história de uma maneira decente, considerando-se ele mesmo não inglês, nem falante de inglês, mas europeu, convenceu-me durante uns momentos. Mas, se se considerava europeu, vindo de um continente em que se falavam tantas línguas, a sua teoria anterior, as dos falantes que tais, adquiria um sentido um tanto ou quanto dúbio. Ou não? Então disse-me que, pronto, está bem, não era europeu, era um cidadão do mundo. Quis-me parecer que o fez para me agradar, para me calar, ou então, ele, sim, tinha um grave problema de identidade. Perguntei-lhe se pretendia fazer alguma coisa a esse respeito e disse-me, do nada, que tencionava fugir comigo para onde eu fosse e tomar como dele, não a minha nacionalidade, mas a minha língua. Perguntei-lhe se estava bêbado. Eu sabia que não estava, tinha bebido Bionade a noite toda. Mas mesmo assim perguntei-lhe. Se estava bêbado e se estava a falar a sério. Não e sim. Depois beijou-me. Um beijo morto, sem paixão, tão fora do contexto como só os ingleses conseguem. Não os falantes de inglês, mas os ingleses. Disse-lhe isto e mandei-o tomar Prozac. Ah, e já agora, nunca mais me voltes a beijar. Depois fui-me embora.
Dizem que sou má, mas eu cá acho que é do sangue. Português por sinal.

15.5.07

BerlinRandom (contrastes)





(nem a 100 metros de distância)

Random

(e ele disse-me: acho que vais gostar da compilação que te fiz)

Beatles
Eels
Beasty Boys
System of a Down
The Smashing Pumpkins
Arcade Fire
Rockers HiFi
Belle & Sebastian
Soulfly
Thom Yorke
The Gipsy Kings

14.5.07

Hauptbahnhof


Um casal de idade chega à estação central de Berlim (malas, roupas e penteados de Aldeia) e enquanto procura um autocarro na confusão dos passeios de domingo, diz ele assim para ela:
- Que estranho... O sol aqui parece que encandeia...

(não havia sol)

13.5.07

Der Kopfschmerz

Antes de começar a tremer, encostei a cabeça ao vidro (que chorava lágrimas grossas) e olhei para a cidade. Chovia a cântaros e, apesar de ter levado chapéu de chuva, cheguei à estação como se tivesse mergulhado vestida numa piscina cheia. A razão para não abrir o chapéu não foi outra senão a de que se fizesse outro movimento que não fosse o de caminhar em frente, com os passos sincronizados com a respiração e o olhar posto no chão, se abrandasse o passo para abrir a mala e tirar o chapéu e fechar a mala e abrir o chapéu e voltar a andar ao ritmo normal, teria de me apoiar a uma parede e vomitar o jantar que acabava de pagar, com gorjeta e tudo. A dor de cabeça havia começado leve ao princípio da tarde e aumentado com o passar das horas e a força das bátegas da chuva. Agora que a noite se aproximava e chovia com mais raiva, a minha cabeça parecia que ia explodir, não só a cabeça, mas todo o corpo, eu era a minha cabeça que era a minha dor. Uma dor de cabeça a tentar apanhar o comboio para casa, uma dor de cabeça imensa a atravessar a Warschauer Strasse lavada pela água de deus, os meus pecados que escorriam pela cara e molhavam o casaco e molhavam as calças e molhavam as botas. Quando chegar a casa torço tudo para a banheira, fecho a porta da casa-de-banho, os pecados escorrem pelo cano durante a noite e no outro dia sou a Virgem Maria...
A noite começava, assim, como um dia que acaba triste. O céu era uma faixa amarela com a ponta descosida por onde o sol espreitava e cujos raios batiam nas gruas, o sol nas gruas, não o vento (não havia vento), o sol nos prédios, as janelas dos prédios que reflectiam um brilho de Outono despropositado, a cidade com a torre da televisão imponente envolta no que parecia um nevoeiro amarelo com um arco-íris como laço de embrulho. A luz era magnífica. A fotografia seria perfeita. Um momento National Geographic urbano. Só me irritava ser sábado à noite. Com tantos dias livres para ser, não ter, ser uma dor de cabeça. Foi então que alguém me perguntou se me sentia bem, que estava tão branca...

12.5.07

Volta



Finalmente Björk. Finalmente tempo para comprar Björk. Finalmente tempo para ler os agradecimentos em islandês. Finalmente entender!

(ok, a maior parte são nomes...)

Há coisas piores

O mal de uma pergunta estúpida é ser seguida de outra ainda pior.

10.5.07

Caixinha de música

Quem eu esperava que se esquecesse, lembrou-se. Quem eu esperava que se lembrasse, esqueceu-se. É assim a amizade: uma caixinha de música arranjada depois de muitos anos de desuso. Tocar, toca. A música é que pode ser outra.

Conversa de bêbados

No metro diz um bêbado para outro: "Já não estou bêbado há catorze dias... Só alegre!"
O outro desata à gargalhada.

(e eu controlo o riso)

Remake

Não se pode recriar (intencionalmente) a criação original (espontânea). É como os remakes americanos dos filmes de terror japoneses. Os americanos vendem mais bilhetes, mas toda a gente diz que os japoneses foram melhores.

8.5.07

Música de funeral

Uma ouvinte diz à Radio1 que o concerto de Pet Shop Boys foi um grande concerto e que quando morrer, quer que se oiça Pet Shop Boys na igreja...

7.5.07

Depois

Olhei para o relógio do telemóvel: cheguei demasiado cedo, depois olhei lá para fora: cinzento, depois olhei à minha volta: uma estante com livros: num papel colado com fita-cola dizia “biblioteca para troca”: uma espécie de Bookcrossing falido, depois olhei para baixo, em baixo: o saco das prendas. Ainda: um pequeno prolongamento do fim-de-semana: Leva-me lá isto, trazes-me na segunda-feira, trazes?, é que numa festa ilegal tecno-punk (eu a pensar: o que é tecno-punk?) de certeza que não há bengaleiro.
Não havia.
Havia açúcar biológico, havia papel higiénico Renova - não do Lidl, não daquele reciclado que irrita a pele, mas Renova - havia gente que me vinha pedir coisas emprestadas (objectos preferidos: canetas e isqueiros) e mas devolvia: um bocado incrível isto, havia uma mesa de ping-pong, havia matrecos, havia um parque infantil cheio de punks a andar nos cavalinhos às 7 da manhã, mas realmente bengaleiro que dava jeito, não havia. Ok, o açúcar biológico deu muito jeito, mas não para mim que me portei à altura das cervejas que bebi equivalentes aos anos que fiz.
Agora exagerei uma beca. Afinal ainda não estou assim tão velha.
Isto tudo depois de um caminho de cabras depois de entrarmos por um buraco na parede depois de esperarmos (por um alguém que nunca se soube quem era) no cume de uma pequena montanha com vista para para o dia que nascia, depois de uma viagem de comboio a falar sobre coisas que já esqueci (acho que falámos de filmes de que eu não gosto porque me fazem rir: ninguém me entende, mas não faz mal), depois de (quase) todos se terem ido embora, depois de uma festa com os meus berlinenses preferidos, depois de eu me divertir muito sem realmente saber se os outros se estavam a divertir ou não (porque eu estava divertidíssima e é difícil ser objectiva nestas alturas), depois de um bolo de chocolate com cobertura de chocolate e recheio de chocolate (acho que ainda havia mais qualquer coisa com chocolate), depois de cantarmos os parabéns em 4 línguas diferentes (a última, em alemão é que foi um bocado murcha, não sei porquê), depois de as pessoas irem chegando e eu ir avisando: não me dês os parabéns antes da meia-noite, olha que dá azar (dá?), depois de eu ter chegado primeiro, cedo demais, sempre cedo, depois de tudo isto e mais ainda, havia Berlim com açúcar biológico. E, bom, depois disso tudo veio o resto na forma de domingo de sol: o dia em si. Ah sim, e a idade também veio. Já cá faltava realmente.

6.5.07

Feliz aniversário

Ulisses (capítulo XI)

"O melhor é ceder apenas metade, tal como um homem com uma virgem."

5.5.07

Hey man, I guess these guys want to hear rock...

(Já disse que foi mesmo muito bom?)

Bloc Party (concerto) VIII

(dói-me tudo)

Bloc Party (concerto) VII

Acho que o meu dia de anos começou ontem às 21 e qualquer coisa.

Bloc Party (o concerto) VI

Reformulo o que disse sobre os alemães guardarem as emoções para o fim: quando gostam, gostam a sério e levam tudo à frente.

Bloc Party (concerto) V

Passei todo o concerto com um sorriso parvo. A rapariga ao meu lado também. Quando olhámos uma para a outra não pudemos sorrir, porque se sorríssemos mais desatávamos à gargalhada.
Depois perdi-a de vista e devo ter sorrido a mais gente.

Bloc Party (concerto) IV

"Kreuzberg" em Kreuzberg foi a única música em que o pessoal acalmou. Por puro respeito, creio.

(O baterista vem morar para Berlim. Porque será?)

Bloc Party (concerto) III

"Era saltar com eles ou ficar debaixo deles. E eu saltei."

(Acho que foi o meu amigo D. quem uma vez me disse isto. Ontem subscrevi. Pela primeira vez achei divertidíssimo andar aos encontrões...)

Bloc Party (concerto) II

O vocalista Kele Okereke é daquelas pessoas que gostávamos de ter como vizinho. É simpático, pronto. Sorridente é mais a palavra. Genuinamente fascinado com a casa cheia (esgotada). Agradavelmente acessível. Um gajo à maneira. Um porreiraço.

Bloc Party (concerto) I

Foi o melhor concerto entre Nick Cave e Arcade Fire.

(correndo o risco de estar a ser injusta para com outros concertos muito bons dos últimos três anos e de ter expectativas elevadas demais quanto a concertos ainda por vir)

4.5.07

Bloc Party, Columbiahalle

(a ver se estes também não cancelam)

Realismo mágico islandês

"Há nos livros de Laxness uma relação telúrica e épica com a lava que é o chão da ilha onde pastam sempre as mesmas ovelhas."

Foi assim que a assinatura do ípsilon acabou para mim. Com chave de ouro. Não sei é como é que vou passar os próximos dois meses sem a minha leitura de café preferida.

Berlinenses V

A portuguesa

Eh pá, não! Não me apetece nada falar sobre mim.

3.5.07

(dê de) Domingo

Cada vez estou mais convencida de que vou passar o meu dia de anos de ressaca.
Isto é um bom sinal.

(dê de) Dia do Trabalhador

Passei o Dia do Trabalhador a fazer a minha declaração de impostos. Só saí de casa para beber um café ao sol, mas cedo me expulsaram da esplanada: Vamos fechar, hoje é o dia do Trabalhador.

(Sim, obrigada por me lembrar dos meus deveres.)

D.

Ontem, na Radio 1:

"Eu não acredito em (dê de) Deus. Eu acredito em (dê de) Dúvida. E tu?"

1.5.07

Berlinenses IV

O americano

Dizia que todas as alemãs tinham cara de cavalo. Perguntei-lhe que cara tinham os alemães e disse-me logo que não era gay. Que mania esta dos homens acharem que a sua masculinidade se mede pelo facto de repararem menos ou mais nos outros homens. Claro que todos os homens conseguem dizer se outro é bem-parecido ou não (bem-parecido é, realmente, uma boa escolha de palavras). Não querem é admitir. Isto é uma das coisas que faço questão de testar logo no primeiro date, caso haja um date digno do nome, sem sexo antes ou conversas sobre literatura. Caso se proporcione: ah e tal, acha-lo bonito? Não sei porquê, é uma tara que tenho. Homem que esteja seguro da sua masculinidade (?) e que não olhe para mim de esguela porque não disse achase-o bonito, ganha logo dois pontos. Mas com este nunca houve date nenhum. Tinha uns olhos bonitos, sim senhores, uns lábios carnudos, sim senhores, uns peitorais magníficos, sim senhores, e tudo aquilo, sim senhores, que uma mulher gosta de se gabar às amigas, sim, porque nós também nos gabamos, meus senhores, mas a verdade é que o americano ficou marcado desde o início porque falou mal de Portugal. C'a ganda chico esperto, querem lá ver que nos Estados Unidos não há mendigos a dormir à porta do metro? Ah, ok, no Texas os caubóis são gente fina. Então e tu votaste no Bush ou quê? É engraçado, todos os americanos que conheço dizem que não votaram no Bush, mas o certo é que o gajo foi eleito, não uma, mas duas vezes. Se calhar por isso é que bazaram. Eu também bazava do meu país se tivesse um presidente tão burro. Er...
Adiante.
Ficámos bons colegas não sei como. Acho que deve ter sido por causa do olho azul. E pelo facto de o gajo ter arranjado uma namorada alemã que até era porreirinha, mas, coitada, tinha cara de cavalo. É claro que eu nunca lhe disse nada. Deixai-o ruminar as próprias palavras.
Quando se foi embora (já não era sem tempo, homem, que passavas a vida a falar mal de Berlim), veio-se despedir de mim. Um querido, um querido. Depois mandou-me um mail (ainda mais querido) a dizer que tinha saudades e nessa altura percebi que se tinha germanizado, apesar de todos os esforços na direcção contrária. Todos os alemães são do estilo só-no-fim-é-que-é-bom. Como nos concertos. Ficam para ali macambúzios, eu quase a pedir desculpa por gostar de saltitar e cantarolar as músicas, e só no encore é que se passam dos carretos e fazem um escarcéu como se a sua vida dependesse da banda voltar a pisar o palco. Toda a gente sabe que bater palmas para o primeiro encore é totalmente desnecessário. Bom, desde que não sejam os Artic Monkeys.

Frase da semana

"Disse-lhe a verdade e ela não acreditou em mim. Agora vou ter de mentir."

Há princípios que são como o comunismo: não passam de utopias bem-intencionadas.